Com os olhos inchados
de tantas lágrimas, o estoque de post-it acabado e o coração explodindo de
alegria, vamos à resenha da semana. Hoje
falo sobre um livro emocionante e encantador, que está entre as minhas melhores
leituras de 2016,“Uma vida para sempre” da
autora Simone Taietti.
Ethel diz estar morrendo, contudo, não afirma isso
apenas em razão de sua doença. Talvez a única certeza de nossa existência seja
a morte, o fato de que ela chega para todos. Mas nem por isso deixa de ser a
maior incógnita da vida.
Em um hospital, em meio à dor das histórias dos pacientes, Ethel encontrou
amigos. Entre passeios em cemitérios, frequentando velórios e enterros de
estranhos, ela tenta preparar a si e aqueles que ama, para o que parece estar
ali tão próximo, o fim. Entretanto, não esperava enfrentar algumas surpresas
que a fizessem duvidar de tal preparação.
As estatísticas ruins, a inexorável passagem do tempo. Onde reside a lógica
disso que nos arranca pedaços, da súbita inexistência do que outrora era vívido
e pulsante? Um corpo que jaz. Palavras que se perdem. A finitude de tudo o que
é tão belo talvez seja a maior dor do mundo.
Uma vida para sempre é um compilado de desejos, pensamentos e dias.
Quanto dura o para sempre?
Ethel descobriu.
“A Ethel é especial
sim, como você havia me falado, mas não por ser portadora de uma anomalia.
Ethel é especial sem precisar de justificativa para isso. Ela simplesmente é
especial.”
Ethel é aparentemente
uma garota comum. Aos seus 17 anos ela deveria ocupar seu tempo com festas,
amores e diversão, mas ao invés disso ela está frequentando velórios de
estranhos, buscando entender a dor e desvendar a morte. Tudo isso porque ela
tem CIPA, Insensibilidade Congênita a Dor Com Anidrose, uma doença rara, com um
nome difícil, que nada mais é que a junção da impossibilidade de sentir dor com
a impossibilidade de transpirar. A expectativa de vida para pessoas com esta doença
é de cerca de 20 anos, e ao descobrir este fato, Ethel começa uma contagem
regressiva para seus dias.
“As pessoas parecem
não gostar de falar sobre a morte, como se fosse algo proibido. É preciso
aceitar este futuro inevitável para, de certa forma, viver plenamente.”
Com isso ela tenta
entender a dor que é incapaz de sentir. Em contato com pacientes do hospital
que frequenta ela explora histórias e sentimentos, faz amigos e até encontra
seu primeiro amor.
A busca para entender
a dor a levou a descobrir muitas outras coisas. E nos leva a entender que a
vida poder ser mais do que pensamos.
“A dor ensina. A dor
protege. Ela pode trazer momentos muito ruins para a nossa vida, mas o que
seríamos sem ela? Pois bem, eu acho que sei um pouco sobre isso...”.
Narrado em forma de
diário, acompanhamos dia após dia a vida de Ethel. Todos os seus medos,
inseguranças e descobertas. Portadora de uma rara doença ela vive com diversas
restrições. Sua mãe não se importaria em colocá-la em uma bolha para protegê-la
de todo mal. A incapacidade de sentir dor a deixa as cegas para qualquer coisa
errada com seu corpo, de uma simples dor de cabeça até fraturas graves, por
isso ela sempre deve fazer um autoexame em busca de qualquer acidente que possa
ter acontecido com ela.
Sua mãe daria a vida
por sua filha e para que ela não sofresse seria capaz de qualquer coisa.
Inclusive lhe proibir de frequentar e fazer amigos no hospital, pois acha que a
tristeza que envolve aquele lugar pode acabar atingindo o coração da menina.
“Eu preciso de alguém
que me ajude a lutar e não que tente a todo momento me tirar da linha de frente
da batalha.”
Ethel não concorda
com essa teoria. É lá que encontra as respostas para as dúvidas que sempre
teve. Ela consegue entender o que a dor faz com as pessoas. Pode parecer um
pouco mórbido, mas funciona para ela. Faz com que ela se sinta normal. Ali ela
não é a garota doente, é apenas mais alguém lutando para viver.
“O mais engraçado de
tudo é justamente essa inexatidão da morte, esse presente de grego que ela
representa muitas vezes.”
Também é lá que ela
conhece amigos como Gertrude, uma velha senhora que já não pode contar com seus
rins e passa por hemodiálises constantes. Uma mulher forte que adquiriu muito
conhecimento com sua vivência. É a pessoa que mais dá força para Ethel, sua
melhor amiga, confidente, que sempre tem a palavra certa para confortá-la.
Nos corredores do
hospital ela conhece Vitor, uma rapaz de 19 anos que luta contra uma leucemia.
Eles se apaixonam desde o primeiro instante e vivem uma história de amor linda,
valida por várias vidas.
Victor é engraçado e
divertido. Sua companhia torna os dias de Ethel mais felizes.
“E mais um daqueles
sorrisos tentando ligar sul-americanos e africanos iluminou não só seu rosto,
mas todo o quarto. E minha alma.”
Fora do hospital, sua
grande amiga é Catarina. Elas se conhecem desde a infância e mesmo com altos e
baixos, ainda preservam o carinho e amizade.
Juntos os quatro
iniciam um projeto para mostrar a todos a importância da vida. Levando ao maior
número de pessoas as suas histórias e ressaltando a importância de viver e
aproveitar sempre e não apenas ao descobrir que seu tempo está contado.
“A pergunta dela:
“Pelo quê estou lutando, afinal?” acabou de ter uma nova resposta: “Já que você
está muito provavelmente com os dias contados, ajude alguém a viver”.”
Nessa jornada eles
conseguem atingir um grande público, mas os maiores beneficiados sãos eles
próprios, que conseguem enxergar o verdadeiro sentido da vida e transformar
seus monótonos momentos a espera da morte em dias memoráveis.
Um livro incrível que
toca o coração profundamente. Por suas particularidades, acabamos nos sentindo
íntimos de Ethel, olhando tudo com seus olhos. Esta experiência nos permite
acompanhar o que sua vida significa. Como
ela se sente sufocada. A angústia de não ser uma adolescente normal.
“Somos pequenos
detalhes, descartáveis, e o fato de estar aqui, de pé, lutando apesar de tudo,
já é um grande motivo para celebrar.”
Uma leitura para
refletirmos o quanto de valor realmente damos à nossa vida. Sempre que estamos
em momentos de grandes dificuldades tentamos nos lembrar dos bons motivos, de
fazer coisas boas para si mesmo e pelos outros. Mas quantas vezes fazemos isso
quando está tudo bem?
”A quantidade de
horas ou de dias não é o primordial e sim o que fazemos desse tempo, de que
forma nos ocupamos dele.”
Ethel soube tirar o
melhor da sua existência enquanto desfrutava dela. Mesmo que supostamente sua
expectativa de vida fosse curta, ela estava bem. Entender a dor e a morte era
uma preparação para algo que poderia acontecer, mas que não estava previsto. Victor
tinha seus dias contados, e ao mesmo
tempo que ela lutava para compreender coisas que nunca sentiu, ela o
ajudou a viver sua vida ao máximo. Planejou momentos que marcaram sua memória,
o enchendo de felicidade. Marcou seu nome no seu coração e nas lembranças dele.
Eles se amaram profundamente, como muitos não fazem durante uma longa vida.
“É por essas e outras
que sempre defendo a importância de se olhar as coisas de vários ângulos. Mesmo
que um não expresse nada, outro pode te surpreender.”
E foi essa a lição
que retirei deste livro. Que não devemos esperar nossos dias estarem contados
para viver plenamente. Para amar, sorrir, se divertir, realizar os nossos
sonhos. Devemos fazer isso enquanto temos saúde e disposição, pois na realidade
não sabemos ao certo quanto tempo temos aqui. Nossa vida pode durar dias, ou
anos. O que determina a intensidade dos nossos momentos é a forma como decidimos aproveitá-los e como
podemos gravar nossa existência no coração daqueles que nos cercam.
Fãs de “A culpa é das
estrelas”, este livro não tem nada a ver com história de John Green, pois na
minha opinião é infinitamente melhor, tenho certeza que irão amar.
Recomendadíssimo!
“A gente vive
desejando o que não pode ter. Acho que apesar de todos os planos que fazemos,
todos temos a plena consciência de que nada sairá como planejado. É sempre
assim. As coisas simplesmente não acontecem como desejamos.”
“Dizem que o tempo cura as feridas, mas eu não
concordo muito com isso. Ele apenas ameniza, ao passo que a cicatriz continua
ali, lembrando-nos de tudo.”
“Às vezes percebemos
que estamos empenhando esforços em coisas erradas e que não nos acrescentam em
nada. Então, é hora de desistir. E isto não é covardia. É perspicácia, para
dizer a verdade.”
“A maturidade é
conquistada através de experiências, principalmente das mais duras.”
“Engraçado mesmo é perceber que o que não tem
valor para alguns, representa simplesmente tudo para outros.”
“De que forma fazer
algo que me faz querer viver pode me machucar, Ethel?”
“É engraçado como o
ser humano adora usar exemplo de outros para tentar consertar sua vida
miserável.”
“A dor é aquilo que,
mesmo temendo a solidão, suplicamos por viver sozinhos. As lágrimas, o
desespero, os urros e inconformismos que denotam a fragilidade que nos é
inerente. Longe dos olhos alheios, seja para não magoar, incomodar ou mesmo
para sentirmo-nos mais fortes, já que as aparências sempre enganam.”
Título: Uma Vida Para Sempre
Autor: Simone Taietti
Autor: Simone Taietti
Editora: Novo Século
Ano: 2014
Páginas: 347
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