domingo, 5 de fevereiro de 2017

Uma Vida Para Sempre


Com os olhos inchados de tantas lágrimas, o estoque de post-it acabado e o coração explodindo de alegria, vamos à resenha da semana. Hoje falo sobre um livro emocionante e encantador, que está entre as minhas melhores leituras de 2016,“Uma vida para sempre” da autora Simone Taietti.

Ethel diz estar morrendo, contudo, não afirma isso apenas em razão de sua doença. Talvez a única certeza de nossa existência seja a morte, o fato de que ela chega para todos. Mas nem por isso deixa de ser a maior incógnita da vida.
Em um hospital, em meio à dor das histórias dos pacientes, Ethel encontrou amigos. Entre passeios em cemitérios, frequentando velórios e enterros de estranhos, ela tenta preparar a si e aqueles que ama, para o que parece estar ali tão próximo, o fim. Entretanto, não esperava enfrentar algumas surpresas que a fizessem duvidar de tal preparação.
As estatísticas ruins, a inexorável passagem do tempo. Onde reside a lógica disso que nos arranca pedaços, da súbita inexistência do que outrora era vívido e pulsante? Um corpo que jaz. Palavras que se perdem. A finitude de tudo o que é tão belo talvez seja a maior dor do mundo.
Uma vida para sempre é um compilado de desejos, pensamentos e dias.
Quanto dura o para sempre?
Ethel descobriu.


“A Ethel é especial sim, como você havia me falado, mas não por ser portadora de uma anomalia. Ethel é especial sem precisar de justificativa para isso. Ela simplesmente é especial.”


Ethel é aparentemente uma garota comum. Aos seus 17 anos ela deveria ocupar seu tempo com festas, amores e diversão, mas ao invés disso ela está frequentando velórios de estranhos, buscando entender a dor e desvendar a morte. Tudo isso porque ela tem CIPA, Insensibilidade Congênita a Dor Com Anidrose, uma doença rara, com um nome difícil, que nada mais é que a junção da impossibilidade de sentir dor com a impossibilidade de transpirar. A expectativa de vida para pessoas com esta doença é de cerca de 20 anos, e ao descobrir este fato, Ethel começa uma contagem regressiva para seus dias.

“As pessoas parecem não gostar de falar sobre a morte, como se fosse algo proibido. É preciso aceitar este futuro inevitável para, de certa forma, viver plenamente.”

Com isso ela tenta entender a dor que é incapaz de sentir. Em contato com pacientes do hospital que frequenta ela explora histórias e sentimentos, faz amigos e até encontra seu primeiro amor.
A busca para entender a dor a levou a descobrir muitas outras coisas. E nos leva a entender que a vida poder ser mais do que pensamos.

“A dor ensina. A dor protege. Ela pode trazer momentos muito ruins para a nossa vida, mas o que seríamos sem ela? Pois bem, eu acho que sei um pouco sobre isso...”.

Narrado em forma de diário, acompanhamos dia após dia a vida de Ethel. Todos os seus medos, inseguranças e descobertas. Portadora de uma rara doença ela vive com diversas restrições. Sua mãe não se importaria em colocá-la em uma bolha para protegê-la de todo mal. A incapacidade de sentir dor a deixa as cegas para qualquer coisa errada com seu corpo, de uma simples dor de cabeça até fraturas graves, por isso ela sempre deve fazer um autoexame em busca de qualquer acidente que possa ter acontecido com ela.
Sua mãe daria a vida por sua filha e para que ela não sofresse seria capaz de qualquer coisa. Inclusive lhe proibir de frequentar e fazer amigos no hospital, pois acha que a tristeza que envolve aquele lugar pode acabar atingindo o coração da menina.

“Eu preciso de alguém que me ajude a lutar e não que tente a todo momento me tirar da linha de frente da batalha.”

Ethel não concorda com essa teoria. É lá que encontra as respostas para as dúvidas que sempre teve. Ela consegue entender o que a dor faz com as pessoas. Pode parecer um pouco mórbido, mas funciona para ela. Faz com que ela se sinta normal. Ali ela não é a garota doente, é apenas mais alguém lutando para viver.

“O mais engraçado de tudo é justamente essa inexatidão da morte, esse presente de grego que ela representa muitas vezes.”

Também é lá que ela conhece amigos como Gertrude, uma velha senhora que já não pode contar com seus rins e passa por hemodiálises constantes. Uma mulher forte que adquiriu muito conhecimento com sua vivência. É a pessoa que mais dá força para Ethel, sua melhor amiga, confidente, que sempre tem a palavra certa para confortá-la.
Nos corredores do hospital ela conhece Vitor, uma rapaz de 19 anos que luta contra uma leucemia. Eles se apaixonam desde o primeiro instante e vivem uma história de amor linda, valida por várias vidas.
Victor é engraçado e divertido. Sua companhia torna os dias de Ethel mais felizes.

“E mais um daqueles sorrisos tentando ligar sul-americanos e africanos iluminou não só seu rosto, mas todo o quarto. E minha alma.”

Fora do hospital, sua grande amiga é Catarina. Elas se conhecem desde a infância e mesmo com altos e baixos, ainda preservam o carinho e amizade.
Juntos os quatro iniciam um projeto para mostrar a todos a importância da vida. Levando ao maior número de pessoas as suas histórias e ressaltando a importância de viver e aproveitar sempre e não apenas ao descobrir que seu tempo está contado.

“A pergunta dela: “Pelo quê estou lutando, afinal?” acabou de ter uma nova resposta: “Já que você está muito provavelmente com os dias contados, ajude alguém a viver”.”

Nessa jornada eles conseguem atingir um grande público, mas os maiores beneficiados sãos eles próprios, que conseguem enxergar o verdadeiro sentido da vida e transformar seus monótonos momentos a espera da morte em dias memoráveis.
Um livro incrível que toca o coração profundamente. Por suas particularidades, acabamos nos sentindo íntimos de Ethel, olhando tudo com seus olhos. Esta experiência nos permite acompanhar o que  sua vida significa. Como ela se sente sufocada. A angústia de não ser uma adolescente normal.

“Somos pequenos detalhes, descartáveis, e o fato de estar aqui, de pé, lutando apesar de tudo, já é um grande motivo para celebrar.”




Uma leitura para refletirmos o quanto de valor realmente damos à nossa vida. Sempre que estamos em momentos de grandes dificuldades tentamos nos lembrar dos bons motivos, de fazer coisas boas para si mesmo e pelos outros. Mas quantas vezes fazemos isso quando está tudo bem?

”A quantidade de horas ou de dias não é o primordial e sim o que fazemos desse tempo, de que forma nos ocupamos dele.”

Ethel soube tirar o melhor da sua existência enquanto desfrutava dela. Mesmo que supostamente sua expectativa de vida fosse curta, ela estava bem. Entender a dor e a morte era uma preparação para algo que poderia acontecer, mas que não estava previsto. Victor tinha seus dias contados, e ao mesmo  tempo que ela lutava para compreender coisas que nunca sentiu, ela o ajudou a viver sua vida ao máximo. Planejou momentos que marcaram sua memória, o enchendo de felicidade. Marcou seu nome no seu coração e nas lembranças dele. Eles se amaram profundamente, como muitos não fazem durante uma longa vida.

“É por essas e outras que sempre defendo a importância de se olhar as coisas de vários ângulos. Mesmo que um não expresse nada, outro pode te surpreender.”

E foi essa a lição que retirei deste livro. Que não devemos esperar nossos dias estarem contados para viver plenamente. Para amar, sorrir, se divertir, realizar os nossos sonhos. Devemos fazer isso enquanto temos saúde e disposição, pois na realidade não sabemos ao certo quanto tempo temos aqui. Nossa vida pode durar dias, ou anos. O que determina a intensidade dos nossos momentos  é a forma como decidimos aproveitá-los e como podemos gravar nossa existência no coração daqueles que nos cercam.
Fãs de “A culpa é das estrelas”, este livro não tem nada a ver com história de John Green, pois na minha opinião é infinitamente melhor, tenho certeza que irão amar. Recomendadíssimo!

“A gente vive desejando o que não pode ter. Acho que apesar de todos os planos que fazemos, todos temos a plena consciência de que nada sairá como planejado. É sempre assim. As coisas simplesmente não acontecem como desejamos.”


 

 “Dizem que o tempo cura as feridas, mas eu não concordo muito com isso. Ele apenas ameniza, ao passo que a cicatriz continua ali, lembrando-nos de tudo.”

“Às vezes percebemos que estamos empenhando esforços em coisas erradas e que não nos acrescentam em nada. Então, é hora de desistir. E isto não é covardia. É perspicácia, para dizer a verdade.”

“A maturidade é conquistada através de experiências, principalmente das mais duras.”

 “Engraçado mesmo é perceber que o que não tem valor para alguns, representa simplesmente tudo para outros.”

“De que forma fazer algo que me faz querer viver pode me machucar, Ethel?”

“É engraçado como o ser humano adora usar exemplo de outros para tentar consertar sua vida miserável.”

“A dor é aquilo que, mesmo temendo a solidão, suplicamos por viver sozinhos. As lágrimas, o desespero, os urros e inconformismos que denotam a fragilidade que nos é inerente. Longe dos olhos alheios, seja para não magoar, incomodar ou mesmo para sentirmo-nos mais fortes, já que as aparências sempre enganam.”



Título: Uma Vida Para Sempre
Autor: Simone Taietti
Editora: Novo Século
Ano: 2014
Páginas: 347

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